segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Fumaça

Desde a última vez que você partiu, tudo aqui fora continua no mesmo lugar. O seu lado da cama continua vazio, o seu travesseiro que adotei como meu, continua com a mesma fronha. Os lençóis continuam com o nosso cheiro. Mas aqui dentro.... Aaaaah aqui dentro,  na  minha estante de sentimentos, os porta-retratos já não mostram as mesmas fotos. Estão em branco, como que a espera do próximo click...
A chama ínfima que aproximei do rosto, iluminou o pequeno cômodo em um clarão. Traguei, uma, duas vezes e logo a fumaça subiu. Observei os contornos sinuosos que ela formava, enquanto pensava o quanto me faz falta não ter você pra dividir desse prazer tão efêmero.

Pensei, pensei também em como seria se o nosso laço fosse desatado, se cada fita fosse para um lado, se eu deixasse você ir ou se eu mesma fosse. Se eu pedisse para você ir ou você não pedisse para eu ficar. Foram tantos Se... Pensei que provavelmente eu sofreria, você sofreria, ambos cairíamos no pesar do perder, mas a vida  seguiria. A vida nunca parou para escutar a lamúria dos amantes. E um dia, quando o sofrimento já não houvesse, seríamos apenas lembranças, já não haveria o Nosso. Eu já não seria sua, você já não seria meu...
Uma lágrima solitária percorreu o meu rosto, mas não foi de tristeza, foi de certeza. A certeza que eu não queria, nem poderia deixar aquele porta-retrato em branco. A certeza de que eu quero preenche-lo repetidas vezes com o nosso futuro. Como, de que maneira eu poderia deixar de querê-lo? Como abdicaria da nossa casa com jardim e do nosso canteirinho de ervas? Da nossa hortinha repleta de hortaliças frescas? De eu brigando com você, salvando nosso cachorro do fumacê? Do café da manhã na cama nos dias de domingo? De passar o dia na cama, só na cama? Do nosso amendoim cozido e da cerveja gelada? Do pé enfiado na areia da praia? Da demonstração de amor mais linda, que é você deixar livre, essas minhas mãos e pés nervosinhos, sempre em busca de um brechinha? Do nosso beijo de boa noite e do cheirinho de bom dia? Das nossas andanças de mãos dadas? Dos nossos “passeios” de ônibus? Da nossa cachacinha? Como eu poderia abdicar da sua empolgação em descobrir, uma receita nova pra cozinhar pra mim? Das nossas caretas? Dos meus bicos que você aguenta? Do meu olhar que você decifra? Das suas palhaçadas? ...

A chama se apagou, a fumaça cessou, mas delas restaram a certeza de que não há nada, nem ninguém, que possa nos transformar em um mero “Eu e Você”, enquanto tudo aqui dentro, ainda for Nosso. 

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